quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Os Cátaros

 Os Cátaros
Essa é a figura mais conhecida do Papa Inocêncio III, que reinou entre 1198 e 1216.
Mesmo reconhecendo que a corrupção da Igreja e do seu próprio clero foram  os culpados
pelo aparecimento de grupos dissidentes financiou contra estes uma sangrenta cruzada,
que assassinou em torno de 1 milhão de pessoas, inclusive católicas,
entre os anos de 1209 e 1229 DC.

Prólogo
Matem a todos eles; Deus reconhecerá os Seus.” Foi com essa frase que o frade Armaud Amalric, nomeado pelo Papa como Líder se dirigiu aos "cruzados" (uma espécie de exército da Igreja Católica) quando estes perguntaram como iriam "distinguir os católicos dos hereges".
Assim, naquele dia de verão, em 1209, foi massacrada a inteira população da cidade de Béziers, no sul da França, onde, ironicamente não só protestantes, mas católicos fervorosos também foram massacrados.
Historiadores católicos tentam atenuar a infame resposta, acima citada, alegando que ele disse aos cruzados somente "para rezar": “Não se preocupem. Acho que muito poucos [hereges] serão convertidos.”
Mas o fato é que, não importando qual a resposta exata, o resultado da "reza" foi a matança de pelo menos 20.000 homens, mulheres e crianças pelas mãos de um exército de 300.000 cruzados, chefiados por prelados da Igreja Católica.

O desenho ao lado, da época do cerco de Toulouse, durante a Cruzada Albigense, representa como eram realizados os ataques pelos cruzados. Ao cercarem uma cidade ou vilarejo, sem se preocuparem em separar os moradores segundo suas crenças, atacavam a todos indiscriminadamente, não importando se fossem mulheres ou crianças católicas. Lançavam pedras, fogo e pedaços de corpos humanos sobre os cidadãos, antes de invadirem e matarem os que sobrasse, alegando que "a cidade está sob controle dos hereges", o que na maioria dos casos não era verdade. Depois de "conquistarem" a cidade, saqueavam todos os bens dela.
O que provocou esse massacre horroroso? Lançada pelo Papa Inocêncio III contra os chamados "hereges" da província de Languedoc, no centro-sul da França. Antes de terminar essa cruzada, uns 20 anos mais tarde, possivelmente um milhão de pessoas — cátaros, valdenses e católicos — haviam perdido a vida.
Para responder a essa questão é preciso conhecer a época em que ela aconteceu.

A Realidade Religiosa da Época
O rápido aumento do comércio, no século 11 EC, trouxe consigo grandes mudanças nas estruturas socioeconômicas da Europa medieval. Surgiram cidades para abrigar o crescente número de artesãos e mercadores. Isto deu margem a novas idéias.
A dissensão religiosa arraigou-se em Languedoc, onde prosperava uma civilização notavelmente mais tolerante e avançada do que em outros lugares da Europa. A cidade de Toulouse, em Languedoc, era a terceira metrópole mais rica da Europa.
Era o mundo em que prosperavam os trovadores, cujos poemas, entre outras coisas, às vezes aludiam a assuntos políticos e religiosos.
Descrevendo a situação religiosa nos séculos 11 e 12, a Revue d’histoire et de philosophie religieuses declara: “No século 12, como no século anterior, a moral do clero, sua opulência, sua venalidade e sua imoralidade continuavam a ser questionadas, mas acima de tudo se criticavam sua riqueza e seu poder, seu conluio com as autoridades seculares e sua subserviência.”

O que aconteceu? Começaram a surgir grupos, como os Cátaros e os Valdenses, que pensavam diferente do que a Igreja Católica queria. E a culpa era da própria Igreja.
O próprio Papa Inocêncio III reconheceu que se devia à corrupção prevalecente dentro da Igreja a culpa pelo crescente número de dissidentes, pregadores itinerantes na Europa, em especial no sul da França e no norte da Itália. Ele repreendeu os sacerdotes por não instruírem o povo, dizendo: “Os filhos têm falta de pão, que vós não quereis repartir com eles.”
No entanto, mesmo reconhecendo o erro, em vez de promover a reeducação bíblica do povo, em favor do catolicismo o Papa Inocêncio III afirmou que “a profundeza da Escritura divina é tal, que não somente os simples e iletrados, mas até mesmo os prudentes e os instruídos, não são plenamente capazes de tentar entendê-la”.
A leitura da Bíblia foi então proibida a todos, exceto para os clérigos e apenas em latim.

Para contra-atacar a pregação itinerante dos dissidentes, o Papa aprovou a fundação da Ordem dos Frades Pregadores, ou Dominicanos.
Em contraste com o opulento clero católico, esses frades seriam pregadores viajantes, comissionados a defender a ortodoxia católica contra os “hereges” no sul da França. O papa enviou também legados papais para argumentar com os cátaros e para tentar "trazê-los de volta" ao aprisco católico.
Evidentemente estes esforços falharam. Além disso um dos legados foi morto, supostamente por um herege, Inocêncio III então ordenou em 1209 a Cruzada Albigense. Albi era uma das cidades onde os cátaros eram especialmente numerosos, de modo que os cronistas da Igreja chamavam os cátaros de albigenses e usavam o termo para designar todos os “hereges” daquela região, inclusive os valdenses.


Quem Eram os Cátaros E Quais Suas Crenças?

A palavra “cátaro” deriva da palavra grega ka·tha·rós, que significa “puro”.
Do século 11 ao século 14, o catarismo espalhou-se especialmente na Lombardia, no norte da Itália, e em Languedoc.
As crenças dos cátaros eram uma mistura de dualismo oriental e de gnosticismo, talvez importadas por mercadores e missionários estrangeiros. The Encyclopedia of Religion define o dualismo cátaro como crença em “dois princípios: um bom, que governa tudo o que é espiritual, o outro, mau, responsável pelo mundo material, inclusive pelo corpo do homem”.
Os cátaros acreditavam que Satanás criou o mundo material, irrevogavelmente condenado à destruição.
A esperança dos cátaros era escapar do mundo mau, material.

Os cátaros estavam divididos em duas classes, os Perfeitos e os Crentes. Os Perfeitos eram iniciados com um rito de batismo espiritual, chamado consolamentum. Este era realizado pela imposição de mãos, após um ano de provação. Achava-se que este rito liberava o postulante do domínio de Satanás, purificando-o de todos os pecados, e conferia-lhe o espírito santo. Isto deu origem ao termo “perfeitos”, aplicado aos da relativamente pequena elite que atuava como ministros para os crentes. Os perfeitos faziam votos de abstinência, castidade e pobreza. Se fosse casado, o perfeito tinha de abandonar o cônjuge, visto que os cátaros acreditavam que o pecado original foi a relação sexual.

Os demais eram os Crentes, pessoas que não adotavam um estilo de vida ascético, embora aceitassem os ensinos cátaros. Ajoelhando-se em honra dos perfeitos, num rito chamado melioramentum, o crente solicitava perdão e uma bênção. A fim de se habilitarem para levar uma vida normal, os crentes faziam com os perfeitos uma convenenza, ou acordo, que previa a administração do batismo espiritual, ou consolamentum, no leito de morte.


Como os Cátaros Encaravam a Bíblia?
Embora os cátaros citassem extensamente a Bíblia, encaravam-na principalmente como fonte de alegorias e de fábulas. Achavam que a maior parte das Escrituras Hebraicas procedia do Diabo.
Usavam partes das Escrituras Gregas, tais como os textos que contrastavam a carne com o espírito, para reforçar sua filosofia dualista. Por exemplo, na oração do Pai-Nosso, eles pediam o “nosso pão supersubstancial” (ou seja, “pão espiritual”), em vez de “o pão nosso de cada dia”, já que consideravam o pão material um mal necessário.
Muitos ensinos cátaros estavam em contradição direta com a Bíblia. Por exemplo, eles acreditavam na imortalidade da alma e na reencarnação. Baseavam também suas crenças em textos apócrifos.
Não obstante, no que se refere às partes das Escrituras traduzidas pelos cátaros para o vernáculo, até certo ponto tornaram a Bíblia um livro mais bem conhecido na Idade Média.


Não Eram Cristãos.
Os perfeitos achavam que eram os sucessores legítimos dos apóstolos, de modo que se chamavam de “cristãos”, enfatizando isso por acrescentar nesse título os termos “verdadeiros” ou “bons”.
Na realidade, porém, muitas crenças cátaras eram alheias ao cristianismo. Embora os cátaros reconhecessem a Jesus como o Filho de Deus, rejeitavam o fato de ele ter vindo em carne, bem como seu sacrifício resgatador.
Interpretando erroneamente a condenação bíblica da carne e do mundo, acreditavam que toda a matéria se originou do mal. Por isso, sustentavam que Jesus só podia ter tido um corpo espiritual e que, enquanto na terra, apenas parecia ter um corpo carnal.
Iguais aos apóstatas do primeiro século, os cátaros eram ‘pessoas que não confessavam Jesus Cristo vindo na carne’.

M. D. Lambert, no seu livro Heresia Medieval, escreve que o catarismo “substituiu a moralidade cristã por um ascetismo compulsório, . . . eliminou a redenção por se negar a admitir o poder salvador da [morte de Cristo]”.  O catarismo acha que “as verdadeiras afinidades dos perfeitos estavam com os instrutores ascéticos do Oriente, os bonzos e os faquires da China ou da Índia, os adeptos dos mistérios órficos ou os instrutores do gnosticismo”.
Na crença cátara, a salvação não dependia do sacrifício resgatador de Jesus Cristo, mas do consolamentum, ou do batismo no espírito santo. Para os assim purificados, a morte resultaria em serem libertados da matéria.


Reação Violenta  da Igreja
O povo comum, cansado das exigências extorsivas e da generalizada decadência do clero que, como já vimos foi reconhecida pela própria Igreja, sentiu-se atraído pelo modo de vida dos cátaros. Os perfeitos, por causa da corrupção da Igreja, a identificavam juntamente com sua hierarquia como sendo a “sinagoga de Satanás” e “a mãe das meretrizes”, de Revelação (Apocalipse) 3:9 e 17:5.
A doutrina dos cátaros prosperava e suplantava a Igreja no sul da França. Observando essa prosperidade, a reação do Papa Inocêncio III foi lançar e financiar a chamada Cruzada Albigense, a primeira cruzada organizada dentro da cristandade contra pessoas que afirmavam ser cristãs mas não católicas. Como se deu o lançamento dessa cruzada?
Por meio de cartas e de legados, o papa importunou reis, condes, duques e cavalheiros católicos da Europa. Prometeu indulgências e, principalmente as riquezas de Languedoc a todos os que lutassem para erradicar a heresia “de qualquer modo”.
Essa "convocação" do Papa (na verdade um contrato financeiro entre um patrão [o Papa] e assassinos [os cruzados]) não deixou de ser atendida. Chefiado por prelados e frades católicos, um exército misto de cruzados  inescrupulosos, nem sempre católicos mas movidos por puro sadismo e ganância, procedentes do norte da França, de Flandres e da Alemanha, dirigiu-se ao sul, ao vale do Ródano. O resultado ia ser trágico e nada cristão.


Holocausto Católico
A destruição de Béziers marcou o início de uma guerra de conquistas, roubos e saques que destruiu Languedoc numa orgia de fogo e de sangue. Albi, Carcassonne, Castres, Foix, Narbonne, Termes e Toulouse caíram todas diante dos sanguinários cruzados. Em baluartes cátaros, tais como Cassès, Minerve e Lavaur, centenas dos Perfeitos foram queimados na estaca. Segundo o frade-cronista Pierre des Vaux-de-Cernay, os cruzados, ‘com alegria de coração, queimaram vivos os perfeitos’.
Dentro da Igreja de Sta. Maria Madalena em Béziers, por exemplo, foram massacrados 7 mil homens mulheres e crianças.
Em 1229, depois de 20 anos de lutas e devastações, Languedoc passou a ficar sob a coroa católica francesa. Parecia que os "hereges" foram totalmente exterminados. Mas a matança ainda não havia terminado.


Surge o Monstro da Inquisição
Em 1231, o Papa Gregório IX instituiu a Inquisição papal, a fim de dar apoio à luta armada. No início, o sistema inquisitorial baseava-se em denúncias e em coações; mais tarde, em torturas sistemáticas.
Seu objetivo era "erradicar aquilo que a espada não havia conseguido destruir", a saber: o pensamento das pessoas.
 Os juízes da Inquisição — na maioria frades dominicanos e franciscanos — estavam sujeitos a prestar contas apenas ao papa. A punição oficial por heresia era a morte por ser queimado na estaca em praça pública.Qualquer um podia ser considerado "herege", mesmo os católicos mais fervorosos.
O fanatismo e a brutalidade dos inquisidores foram tais, que irromperam revoltas em Albi e em Toulouse, e em outros lugares. Em Avignonet, todos os membros do tribunal inquisitorial foram massacrados. Isso não acabou com a Inquisição que, pelo contrário iria se tornar bem pior.

O Fim dos Cátaros
Em 1244, a rendição da 'montanha-fortaleza' de Montségur (foto), último refúgio de muitos Perfeitos, foi o golpe mortal aplicado à doutrina dos cátaros. Cerca de 200 homens e mulheres pereceram queimados em massa, em estacas. No decorrer dos anos, a Inquisição caçou os cátaros remanescentes e escondidos. O último supostamente julgado como cátaro foi queimado na estaca em Languedoc, em 1330. O livro Medieval Heresy menciona o fato da seguinte maneira : “A queda do albigensismo foi a principal medalha da Inquisição.”


Um Crime Sem Justificativa Cristã
Os cátaros estavam longe de ser verdadeiros cristãos. Mas será que somente criticarem a Igreja Católica justificava seu extermínio cruel por pretensos cristãos? Será que, por escolherem um modo de vida diferente justificava serem mortos de maneira horrenda? Não. Não há justificativa para matar por causa da fé. Com efeito, os perseguidores e assassinos católicos dos catáros desonraram, renegaram a Deus e a Cristo, e difamaram o verdadeiro cristianismo, por torturar e massacrar essas dezenas de milhares de seus próprios dissidentes.



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